Silenciadas
▪︎Publicado no jornal Diário Popular - edição de 16 e 17 de outubro de 2021 (pág. 06) - Pelotas/RS ▪︎
Teriam as mulheres escrito menos para ficarem de fora por tanto tempo do chamado cânone literário - conjunto de grandes autores e suas obras-primas? Ou a responsável por seu silenciamento teria sido uma questão histórica-cultural transpassada pelo patriarcado? Desde que o cânone brasileiro começou a ser construído, na primeira metade do século XIX, os homens ocuparam o lugar de referência. Suas obras foram consideradas representativas da literatura nacional e dignas de serem transmitidas de geração em geração.
A autoria feminina percorreu um caminho à parte, por longo tempo relegado ao esquecimento; um lugar à margem dos clássicos. Muito se deve a ter sido invisibilizada por quem conta a história da literatura - homens, afinal, eram eles os historiadores.
A escrita das mulheres se restringiu por décadas ao espaço privado que lhes cabia como “rainhas do lar”. Seus textos eram limitados à esfera doméstica: escreviam sobretudo correspondências e diários. Muitos vestígios históricos de cartas e outros textos foram perdidos, porque não era raro elas destruírem seus escritos ao chegarem perto do fim da vida, segundo a historiadora Michelle Perrot no livro “Minha História das Mulheres” (2007).
O caminho para sair da invisibilidade passaria pela literatura e, depois, pela imprensa. A imensa maioria daquelas que conseguiram publicar livros e escrever em jornais não alcançaram reconhecimento semelhante ao dos homens, à exceção de, por exemplo, Cecília Meireles e Clarice Lispector. Porém, isso ocorreu já no século XX, depois de eles já terem exercido o poder de estabelecer a identidade da literatura nacional, que permaneceria viva até hoje, apesar das diferentes releituras e críticas que recebe.
Às escritoras negras coube um lugar ainda mais periférico. Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista negra do país, era bem conhecida no Maranhão em sua época, no final do século XIX, mas foi esquecida por décadas até a recuperação de sua obra, em 1962. Hoje, pensar na classificação paralela à qual se colocam (ou foram colocadas?) - a literatura afro-feminina brasileira - é pensar num ato de resistência contra o racismo e o silenciamento da mulher negra.
Se condições histórico-sociais impediram as mulheres de serem reconhecidas como autoras de seus destinos em diversos aspectos da vida, também não foi diferente na escrita. Muitas escreveram ao longo da história e não tiveram seus textos publicados - ou pelo menos não os assinaram. Algumas foram obrigadas a escrever para seus maridos, como é o caso da francesa Colette, no início do século XX. No filme homônimo protagonizado por Keira Knightley, vemos o marido de Colette se apropriar de sua série de romances “Claudine”, um sucesso editorial baseado nas memórias de infância dela.
Colette e o marido Willy foram interpretados por Knightley e Dominic West |
As mulheres foram silenciadas e marginalizadas na literatura, entretanto, sempre foram tema e objeto de romances e poesias. Os homens podem não ter dado voz às mulheres; podem ter dificultado sua participação no espaço público e oposto resistência às suas publicações. Mas foi a voz deles que por muito tempo construiu a figura feminina na literatura - tema para um próximo artigo.
Por: Daniela Agendes
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