O melhor lugar para deixar nossos problemas é no papel

Publicado no jornal Diário Popular - edição de 9 e 10 de outubro de 2021 (pág. 06) - Pelotas/RS

Pode ser no papel, no computador ou no smartphone. Pode chamar de escrita terapêutica, escrita de si ou escrita afetuosa. É você com você mesma(o) e uma caneta, disposta a deixar deslizar no papel toda a sua raiva por sua família se intrometer demais na sua vida. Ou o seu desânimo por não ter conseguido aquele emprego. A sua dúvida por não saber se troca de curso depois de ter chegado à metade da graduação. A sua tristeza por ter perdido alguém na pandemia.


Não é necessário ser escritora para rabiscar algumas linhas. Se até Martha Medeiros diz começar um texto espalhando “frases de qualquer jeito” e soltando “umas ideias mal alinhavadas”, conforme narra em recente crônica, meras mortais também podem.

Também não precisa ter nenhum propósito além de materializar o que passa pela mente. Pode até escrever e apagar depois; não tem que mostrar para ninguém. O objetivo é colocar os sentimentos para fora, o que ajudará a organizá-los e a refletir sobre eles. É como uma catarse. Depois da escrita, libertamos parte da emoção negativa. E pensamentos obsessivos perdem força. É como anotar um compromisso na agenda: você sabe que não precisa mais se preocupar em lembrar dele.

Neste exercício de autoconhecimento, um alerta: não necessariamente você encontrará respostas conclusivas, e ainda poderá encher-se de mais perguntas - o que pode ser produtivo! Ter certezas sobre tudo na vida não é coisa deste planeta, do contrário não teríamos de renascer tantas vezes até atingirmos um certo grau evolutivo.


Se você chegou até aqui, é porque perdoou mais uma autora que, vez ou outra, decide escrever sobre a escrita. Foi o caso de Martha, e é também o da jornalista e escritora Ana Holanda, autora do livro “Como se encontrar na escrita”. Recomendo a leitura a quem deseja se conhecer através da escrita afetuosa e mesmo a quem gostaria de escrever qualquer tipo de texto (até e-mail, artigo, relatório), para si e para os outros, com envolvimento ou, como ela diz, com “alma”.

Por meio da escrita, podemos desenvolver o controle das emoções. É o que propõe Fabrício Carpinejar em seu curso “Cura pela escrita”, lançado em setembro. Para o jornalista e poeta, ao escrever, é possível se reconciliar com o passado e assumir o controle da própria história.

Lidar com os próprios sentimentos requer coragem - coisa que muita gente que precisa de terapia e não faz não tem. O resultado de olhar para si mesma no ato aparentemente simples de escrever pode ser ver suas aflições, ansiedades e inseguranças lhe deixarem viver com mais leveza. Para mim, o tempo entre o pensamento e o passeio da caneta no papel causam uma espécie de alívio.

Você pode presumir que não terá tempo para um momento consigo mesma. Ou que não surgirá nada para escrever. Ou que as palavras não têm todo esse poder. Ou que essa escrita é como manter um diário, coisa de menina e adolescente. Pode continuar achando, mas tente. Comece contando seu dia, e logo as sensações se desprendem do seu peito e passam para a tela. O melhor lugar para deixar nossos problemas sossegarem é no papel.

Por: Daniela Agendes

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