Quando a cintura da calça está no lugar
Publicado no jornal Diário Popular - edição de 1° de setembro de 2021 (pág. 06) - Pelotas/RS
Depois de nos libertarmos da calça de cintura baixa, será a vez de darmos adeus à calça jeans skinny? Quando nós, mulheres, pensávamos ter nos libertado daquele modelo que fez saltar pneuzinhos como cordas amarrando salsichão, veio a moda da superjusta skinny - palavra da língua inglesa com ar fashion, pronta para convencer e fazer parte do dicionário de quem quisesse andar na moda.
Se a vitória
sobre a cintura baixíssima dos anos 2000 durou pouco, e os anos 2010 trouxeram
o tormento da skinny, um dos formatos
menos democráticos para os corpos femininos brasileiros, o que trará a década
de 2020? Depois de a pandemia nos forçar ao trabalho e ao estudo em casa,
permitindo-nos, em contrapartida, participar de reuniões vestindo calças de
pijama e pantufas, torço para que a tendência seja o confortável moletom - embora
suspeite de que ele seguirá reservado a idas à padaria e a descontraídos
passeios na Baronesa.
Estamos
trocando a calça colada “esmaga-quadril-culote” por modelos larguinhos que a
jovem geração Z abraçou como sendo seus - mas que na verdade minha mãe já usava
nos anos 70 e 80: calças mom, wideleg - eis o inglês, de novo... Pouco
importa a língua quando a cintura da calça está no lugar, e a perna está soltinha
o suficiente para você conseguir pular comodamente incontáveis poças d’água depois
de um dilúvio como o que tivemos na semana passada em Pelotas. Confiável o
bastante para você se agachar e ter um papo mais de perto com seu filho, que insiste
em comprar um pacote de balas no supermercado, sem ficar com medo de mostrar o
cofrinho nessa missão.
Rejeitamos
os apertos desnecessários: a única pochete que pretendemos desfilar é a pequena
bolsa em que vamos carregar somente o essencial, enquanto nossa própria gordurinha
excedente fica bem acomodada numa calça de cintura alta (melhor ainda se ela
for de elástico!). Aliás, o tamanho das bolsas também deve mudar. Percebi o
quanto é cômodo poupar meu ombro esquerdo do peso de 4 kg da “mala” que costumava
carregar na era pré-pandemia. Bastam o celular, a carteira, as chaves de casa e
o pacote de lenços de papel, imprescindível para pelotenses raiz que sofrem de
rinite. Quer mais o quê? Ah!, tem ainda o tubo de álcool gel a tira colo...
Longe de
ser um tema fútil, a moda representa o que é aceitável em uma sociedade, ao
ditar formas, cores e estilos adequados às pessoas conforme o gênero, a idade e
a situação. Ela carrega significados da cultura de uma época e das relações entre
os indivíduos, além de atuar como forma de controle sobre os corpos,
principalmente os das mulheres.
O uso de
calças por mulheres era considerado imoral pela sociedade machista do início do
século XX. A estilista Coco Chanel contribuiu para a normalização da
vestimenta, mas somente na II Guerra Mundial houve maior popularização. O
motivo foi utilitário: a necessidade de praticidade das mulheres ao assumirem os postos
de trabalho deixados pelos homens.
Liberdade
de movimento é liberdade de ser e de habitar o mundo. Já bastam os apertos que
passamos como mulheres neste planeta dominado por homens. Bom seria se, quando
nos livrássemos das máscaras, pudéssemos ficar libertas das roupas que não se
ajustam às nossas vidas. Se eliminamos o espartilho, não duvido que também o
sutiã comece, por vezes, a ser desprezado, pelo menos com roupas mais amplas e
em algumas situações, a princípio. Moda é cultura, e ambas se transformam com a
história, por mais improvável e estranho que pareça vislumbrar algumas mudanças
no agora.
Por: Daniela Agendes
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