Canções que abraçam

Publicado no jornal Diário Popular - edição de 15 de julho de 2021 (pág. 06) - Pelotas/RS


Ao cantarmos, podemos ensaiar a vida como a queremos daqui em diante: “Devia ter complicado menos / Trabalhado menos / Ter visto o sol se pôr...”. Quanta gente escutou a música Epitáfio, dos Titãs, durante a “quarentena”, e ficou reflexiva sobre a vida? 

Há tantas canções que nos abraçam a alma e o coração. Melodias e letras que trazem memórias, despertam sentimentos, e não apenas nos atravessam - no popular, não só “entram por um ouvido e saem pelo outro” -, mas ficam guardadas (e muitas até ficam “grudadas” na mente contra a nossa vontade).

Algumas músicas de anos e até mesmo décadas atrás provocaram um curioso efeito coletivo, percebido nas redes sociais, em meio à pandemia. Canções que parecem terem sido escritas nos dias de hoje, por estarem em perfeita sintonia com o momento atual. Com as restrições impostas à vida durante o isolamento social, Epitáfio, de 2001, causou um “efeito arrependimento” com seus versos: “Devia ter arriscado mais / E até errado mais / Ter feito o que eu queria fazer”. 

Lulu Santos também foi lembrado: “Existirá / E toda raça então experimentará / Para todo mal, a cura...”. De 1988, a música A Cura até ganhou, em 2021, regravação de Vitor Kley, cantor gaúcho que nasceria seis anos depois de a faixa original ser criada. Conforme Lulu, em entrevista ao Fantástico, a música foi escrita no contexto do início da epidemia de Aids, quando ele se sentiu impulsionado a cantar o desejo de que a humanidade encontrasse um tratamento para a doença.

Ao nos embalarmos ao som das canções, dançamos passos de fé e de sonhos: “Acenderá / Todo farol iluminará / Uma ponta de esperança”, canta Lulu. 

Foto: Leo Aversa/Divulgação

Sonhar com dias melhores requer paciência, e Marisa Monte pede, em seu novo álbum, lançado em 1º de julho: “Calma / Que eu já tô pensando no futuro / Que eu já tô driblando a madrugada...”. É evidente que não se trata de pedir calma a brasileiros que têm fome, que estão sem emprego, que não têm moradia, que perderam parentes e amigos para a Covid, ou mesmo que estão com sequelas da doença. Trata-se, sim, daquela imprescindível “ponta de esperança”, já lembrada na canção de Lulu. 

Precisamos de otimismo e queremos cantar com Marisa: “Eu não tenho medo do escuro / Sei que logo vem a alvorada / Deixa a luz do sol bater na estrada...”. Também em entrevista ao Fantástico, a cantora disse que a música Calma foi escrita em outro contexto, há três ou quatro anos, e ressaltou que “calma é um pedido atemporal”. 

Marisa Monte lança “Portas” após dez anos da produção de seu último disco solo inédito. Na canção que dá nome ao álbum, ela me faz pensar o quanto é bom termos várias possibilidades na vida, quando canta sobre escolher uma única porta certa como caminho: “Qual é a melhor / Não importa qual / Não é tudo igual / Mas todas dão em algum lugar / E não tem que ser uma única / Todas servem pra sair ou para entrar / É melhor abrir para ventilar / Esse corredor...”. Aliás, escolho interpretar de forma literal a recomendação de arejar o ambiente, relacionando-a à situação de altíssima transmissibilidade do vírus.

Abraçar canções é encontrar nelas o significado que nos conforta, de modo a lidar com a realidade, sem negá-la, mas com a leveza que cada um de nós achar possível. É necessário ter uma gota de esperança na enchente de medos e incertezas que nos transbordaram nos últimos tempos.

Por: Daniela Agendes

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Comentários

  1. Adorei o titulo, o texto, as mensagens q procuras passar, através dos versos de alguns dos maiores cantores e compositores do país, os quais fizeram sonhar gerações por décadas. Uma abordagem muito bonita, bem adequada ao momento q vivemos. Faz refletir
    um pouco. Bjos parabéns.

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