No alto da Voluntários

Publicado no jornal Diário Popular, 1°/04/2021 - Pelotas/RS

Subir a Voluntários sempre me deixava em estado de expectativa. Sair de casa naquela direção significava algo de diferente, alguma coisa especial, fora da rotina, quando era criança e adolescente.


Sempre houve uma certa fascinação em subir a rua Voluntários da Pátria. De fato, coisas encantadas me esperavam para aqueles lados. Percorri seu caminho pra ir à revistaria comprar gibis da Turma da Mônica – conforme o orçamento do pai e da mãe permitisse. A revistinha chegava a custar R$ 2,00, o suficiente pra comprar, em 1994, meio quilo de carne, duas latas de refrigerante ou três litros de leite, por exemplo (ok, confesso, tive que pesquisar no Google). Quantos aí também aprenderam a ler com a Mônica, e começaram a desenvolver o gosto pela leitura?

Lá pra cima também tinha, numa esquina, a locadora de filmes, primeiro com acervo em VHS, e depois, em DVD. As novas gerações não saberão o que é chegar tarde demais, no final de semana, ansiosa para alugar um esperado lançamento, e todas as cópias já terem sido locadas. Competição e frustração após longos meses de espera por um novo título.

Subi a Voluntários inúmeras vezes pra comer empada de massa podre e bombom de leite condensado com uva, na lancheria da Feira, com a mãe. Pra colocar aparelho nos dentes, o que incluiu infindáveis visitas ao dentista para manutenções durante anos na adolescência. Pra escolher material escolar. Pra comprar roupa de aniversário. Uma variedade de soluções estava no alto da Voluntários.

Preciso dizer que, pra visitar a vó, ia de carro com o pai, porque lá era um pouco mais longe... Na casa da vó, o pátio comprido era (e continua sendo) meu lugar preferido. É daquelas casas antigas, com uma fachada estreita – e, diga-se de passagem, tombada, já há alguns anos –, mas imensa lá para os fundos.

Sua extensão ficava ainda maior aos olhos de uma criança, percebo hoje. No pátio, brincava de pular corda, andava de patins, observava as plantinhas e acompanhava as formigas subindo a parede até a janela, à procura de doçuras feitas pela vó. Aliás, na cozinha encantada dela, tudo tinha e ainda tem sabor singular: desde o pão com manteiga até o bolo de chocolate, desde o macarrão com carne até o doce de leite caseiro. São tantas as boas lembranças quantas são as vezes em que quero voltar ao ponto mais alto da Voluntários, a casa da vó.

Hoje, tendo meu próprio carro, mas vivendo numa pandemia, volto a subir a Voluntários a pé – caminhar, além de essencial, tem sido um alento. Fora do carro, observo de outro ângulo os prédios que visitei em anos tão felizes. Lugares que mudaram com os sopros do tempo, mas que, na minha memória, seguem intactos nas sensações que revivo.

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