A super-heroína que queremos inventar

Publicado no jornal Diário Popular de 30/04/2021 (pág. 06) - Pelotas/RS



Eles foram criados em momentos nos quais a humanidade mais precisava deles. Os super-heróis e heroínas tiveram, ao longo de décadas, o papel de tocar o imaginário das pessoas e, de alguma forma, atender aos seus anseios em períodos históricos difíceis. Eles acompanharam e refletiram o clima de diferentes fases, como aquelas marcadas por grandes recessões e guerras. A luta do bem contra o mal, característica das aventuras de heróis e vilões, trouxe entretenimento e até mesmo doses de esperança para quem se deixava envolver em suas fantásticas histórias. Como seria a super-heroína ideal (já adianto que a minha seria mulher) para enfrentar os problemas que vivemos atualmente?

Os poderes interessantes nos dias de hoje parecem ter algo mais a ver com o uso da palavra e da mente, e menos com os clássicos força física e capacidade de voar. Provavelmente, eu inventaria uma super-heroína jornalista, corajosa, com o poder de fazer as pessoas reconhecerem fake news logo de cara. E, dotada de invisibilidade, ela traria a público informações valiosas de reuniões de altas cúpulas dos governos.



Pensando bem, criaria também uma feiticeira, capaz de se comunicar tão habilmente a ponto de inspirar as mentes humanas para a tomada de ação para o bem comum. Ela ainda mostraria a todos, por telepatia, o mundo possível se cada pessoa agisse considerando que atitudes individuais interferem no todo.

O primeiro exemplo de que os super-heróis surgiram em tempos em que as pessoas esperavam por um salvador foi o Super-Homem (DC Comics), criado no final da década de 1930, num período sob influência da Grande Depressão, crise econômica mundial que trouxe desemprego e fome. Na mesma época, vieram Mulher-Maravilha e Batman.

O encantamento do público por aventuras de heróis começou pelas tirinhas de jornais e revistas em quadrinhos e, em seguida, pelo rádio. Mas, os heróis não escaparam de ter uma fase de baixa, nos anos 40, quando críticos passaram a atribuir o comportamento agressivo de jovens à violência presente nos enredos de ação - inicialmente, as HQs eram voltadas às crianças.

Isso fez com que os criadores reinventassem as personagens conforme as expectativas do público. Heróis e heroínas foram humanizados, e suas histórias, tornadas mais complexas, abordando conflitos e sentimentos, e aprofundando relações. Tudo para agradar a um público mais maduro. Só entre 1961 e 63, a Marvel criou o Quarteto Fantástico, para competir com a Liga da Justiça, da DC, e não parou por aí. Logo vieram os Vingadores e os X-Men. Tudo isso, quando seriados de televisão e desenhos animados já faziam sucesso. E, finalmente, na década de 70, os heróis passaram a protagonizar longas-metragens, até chegarem às produções cinematográficas milionárias dos anos 2000.

Hoje, a kryptonita é um vírus surgido não em um planeta distante, mas na própria Terra. Presos no momento mais crítico do último século, diferente de qualquer outra recessão ou guerra, os humanos gostariam mais uma vez de sonhar com poderosos heróis. Ou, com uma realidade alternativa para onde fugir. Em “WandaVision”, minissérie lançada em janeiro de 2021, Feiticeira Escarlate e Visão vivem em uma realidade fantástica, mágica, quase perfeita. Talvez seja um escape utópico o que mais precisamos nesta era em que a informação está na palma da mão, e a realidade que ela retrata não é nem um pouco próxima daquela que queremos. Ter o privilégio de fugir da dureza da vida real por alguns momentos é um superpoder dos que têm condições e tempo para ver, inventar e acreditar em super-heroínas e heróis.

Por: Daniela Agendes
Licença Creative Commons: permitir a cópia, distribuição e execução da obra, desde que sejam atribuídos os devidos créditos.
Imagens: 
freepik - br.freepik.com
freepik - br.freepik.com

Comentários

Postagens mais visitadas