Um lugar restrito no mundo

Fui ensinada a evitar a calçada da esquina do Café Aquários, e até hoje não fui a um estádio de futebol. Desde muito jovens, quando começamos a experimentar o mundo fora de casa, aprendemos que parte de ser mulher é ter os espaços delimitados. Uma conduta a princípio inquestionável, a fim de evitar a violência, seja ela física ou verbal.

A percepção dos espaços como lugares não assexuados – isto é, masculinizados – é fruto de leituras e debates no curso de extensão “Gênero e sexualidade na geografia”, ofertado a distância pela USP. As reflexões dão sentido a perguntas cotidianas, como: “Onde posso ir, sem medo, e a que horas? Vou sozinha ou acompanhada?”.

Sendo o corpo o meio através do qual experienciamos o mundo, temos vivências particulares como mulheres de diferentes raças, etnias, classes, idades, orientações sexuais e identidades de gênero. Em comum, temos limitados, em graus diversos, os espaços considerados seguros para a circulação de nossos corpos.

Evito sair sozinha à noite e fico insegura em locais públicos onde só estejam homens. Despertei desta realidade enraizada em nosso agir-viver-habitar a cidade. Desnaturalizar esta condição, como mulher, requer atentar para a vivência em territórios masculinizados, criados, dominados e nomeados por homens. Exemplo disso é o número escasso de ruas com nomes de mulheres, forma de masculinizar os espaços.

Em uma sociedade marcada pela desigualdade, o corpo da mulher é investido por regras e restrições para sua própria sobrevivência. O corpo feminino sofre controle e opressão, segundo Marchese (2019*). A violência e o estupro reforçam o corpo feminino como objeto de exercício do poder pelo homem. Também a agressão, a apropriação do corpo feminino, em guerras por território, a gravidez forçada, com fins de reprodução da linhagem masculina de uma ou outra etnia, conforme citado por Gama (2001**).


Sigo meu caminho com o olhar fixo, a postura ereta e os passos firmes. Estar em um corpo feminino impõe viver em um corpo passível de sofrer violência. “A cidade é menor para as mulheres”, como lembrou o candidato à prefeitura de Pelotas Ivan Duarte. Quantas atividades deixo de fazer, por ser mulher? Se pudesse escolher, que lugares ocuparia? Se tenho um lugar restrito no mundo, continuo com a mente aberta e lúcida.

* Giulia Marchese, no artigo “Del cuerpo en el territorio al cuerpoterritorio: Elementos para una genealogia feminista latinoamericana de la crítica a la violência”, na Revista EntreDiversidades, jul-dez 2019, vol. 6, n. 2.
** Juanita Barreto Gama, no artigo “La apropiación de los cuerpos de las mujeres, una estrategia de guerra”, na “En otras palavras”, ago-dez/2001, n. 9.

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